Ex-morador do Jaraguá diz que até os anos 1960 era possível nadar, navegar e até pescar em riachos do bairro

É tardezinha de terça-feira, 8 de agosto de 2017. Eu e o Paulo Angelim (64) estamos na casa de um amigo que temos em comum (o apicultor Nikolaos Argyrios Mitsiotis), na rua Turvânia, para conversarmos sobre o artista plástico miniaturista Oscar Blois (de quem ele fora muito próximo). Contudo, em dado momento da conversa, Angelim me diz que gostaria de falar sobre "como eram os rios do bairro Jaraguá [periferia de São Paulo] no final da década de 1950 e nas décadas de 1960 e 1970".

- Sou todo ouvidos - digo-lhe.

Paulo Angelim viveu no bairro Jaraguá nas décadas de 1950, 1960 e 1970
Paulo Angelim viveu no bairro Jaraguá nas décadas de 1950, 1960 e 1970

Angelim nasceu em 1953 e viveu próximo ao centro do distrito nas duas décadas seguintes. Ele me conta que atualmente, porém, não tem mais um lugar fixo para morar. Hoje está aqui, amanhã ali e depois acolá, outro estilo de vida. Diz que já viajou por mais de 1000 cidades e que esteve em vários países da América e da Europa. Quando lhe pergunto se possui alguma graduação, ele me diz que é formado em Psicologia, ramo no qual atuou por vinte anos, coisa que segundo ele não é importante de se dizer, pois como a água de um rio esses "títulos" que adquirimos durante a vida também passam, e esse passado para ele não encontra contexto em sua vida presente.

- E o que o senhor tem a me dizer sobre o passado dos riachos do bairro? - pergunto.

- Tínhamos ao menos quatro rios aqui perto. Um deles nós chamávamos de "Pedreira". Era um riacho perto do Morro do S, um quilômetro depois da estação Jaraguá [no sentido Vila Clarice]. Aquele lugar tinha uma água cristalina. Ali ficava uma antiga pedreira, um lugar que havia sido explorado, então, tinha aquelas bacias de águas cristalinas com aquelas pedras que pareciam que estavam pegando fogo. Lá nós não pescávamos, só nadávamos -  explica.

Angelim se expressa com tranquilidade. Ele próprio agora parece uma nascente que em seguida se transforma em um riacho de palavras...

- Tínhamos também o "Ota", que era fantástico! - recorda-se - Esse rio ficava para cima da Voith [multinacional alemã instalada no distrito Jaraguá em 1966]. Lá também havia uma pedreira, que chamava-se Conspedra (se não me engano), mas que não tinha nada a ver com o rio. Acho que aquela propriedade era do [Arnon], e aquilo era fantástico porque dava até para navegar de barco lá dentro para pescar. Eu e meus amigos costumávamos atravessar nadando o lugar, que tinha uns 60 metros de largura. A gente nadava um pouco de costas, depois ia boiando para poder chegar do outro lado, que era onde dava para pescar. Mas só que lá do outro lado era uma propriedade particular e o dono não gostava muito não. De vez em quando o caseiro corria atrás da gente e a gente tinha que se virar, se jogar na água. E como a gente já estava cansado, isso era um perigo. Mas sempre vinha alguém mais velho que botava a gente nas costas e saía nadando.

- Muito surpreendente! - exclamo.

- Sim. E nós tínhamos, ainda, o Buta, que ficava um pouco para baixo da Voith, mais ou menos perto do engenho dos irmãos Vivan. Infelizmente, a Voith foi a primeira a poluir o Buta. Foi a primeira a jogar resíduos ali. Quando vi, eu levei meus amigos pela linha e nessa ocasião eu ia lhes dizendo, "olha aqui o progresso". O pessoal da Voith lavava os equipamentos e jogava ali os resíduos. Ali a gente nadava e pescava, mas depois desse episódio nunca mais.

Segundos de silêncio...

- E, por fim, tinha o Hilário que era onde hoje é o Rincão - continua Angelim -, que era fantástico também. A gente pulava de uma ponte de mais ou menos uns quatro metros e caia naquele riacho que tinha uns três ou quatro metros de profundidade. Tinha uma água cristalina. Ali você pescava ao longo dele, pescava cará, cascudo... dava para pescar com a mão. Você punha a mão nos buracos e pegava. Depois eles construíram as margens e achataram tudo. Apodreceu.

Angelim diz que naqueles tempos o distrito era constituído basicamente de mato e barro. Para exemplificar, ele vai até uma parte da casa do Sr. Mitsiotis (onde estamos realizando a entrevista) e me mostra uma antiga ferramenta usada para tirar a lama das galochas.

A ferramenta metálica no quintal do Sr. Mitsiotis era usada antigamente pelos moradores para limpar as botas sujas de barro em um bairro Jaraguá que não tinha asfato
A ferramenta metálica no quintal do Sr. Mitsiotis era usada antigamente pelos moradores para limpar as botas sujas de barro em um bairro Jaraguá que não tinha asfato
O desenvolvimento econômico - e junto com ele a poluição dos córregos do distrito - só começou para valer depois que a Voith se instalou na região, em 1966, o que gerou a vinda de imigrantes de diversas nacionalidades, aumentou a procura imobiliária, bem como os loteamentos e os problemas de saneamento básico. Atualmente, todos os riachos que passam por dentro do bairro estão poluídos, inclusive aquele que sai das entranhas do Pico do Jaraguá, o qual é chamado de Ribeirão das Lavras.

Sobre o Autor:
Marinaldo Gomes Pedrosa Marinaldo Gomes Pedrosa é formado em Jornalismo pela UniSant'Anna. Vive no bairro Jaraguá desde 1976.

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